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O adicional de 1% sobre a COFINS-Importação e as teratologias legislativas em torno de sua exigibilidade

Por:
Angela Santos
Consultora Sênior de Comércio Exterior – Global Trade Management
Thomson Reuters – Brasil
Renata B. Borowski
Consultora Sênior de Direitos, Societário e Contabilidade  – Global Trade Management
Thomson Reuters – Brasil

O arcabouço legal que tem sido construído no Brasil em relação ao acréscimo de 1% sobre a alíquota da COFINS-Importação não é assunto para amadores, tamanho têm sido os desdobramentos em torno desse tema, e de inegável constatação de inúmeras polêmicas de cunho não apenas interpretativo, mas também em relação à ausência da boa técnica legislativa que têm pairado sobre essa questão, o que, consequentemente, tem criado inúmeros inconvenientes para o contribuinte brasileiro.

O mais recente inconveniente envolvendo essa questão refere-se à eficácia da MP 774/2017, que adentrou ao ordenamento jurídico para revogar a exigibilidade do adicional de 1% sobre a COFINS-Importação, a qual perdurava desde 2011, de modo que cabe aqui resgatar o histórico acerca de como referido adicional foi introduzido no sistema tributário brasileiro.

A gênese dessa celeuma se deu com Plano Brasil Maior, criado pelo governo em 2011 com o intuito de aumentar a eficiência na produção econômica brasileira por meio de ações que foram tomadas a partir da identificação das características e dos desafios enfrentados pelos principais setores produtivos do país.

Para isso, o Plano apresentava diversas medidas que seriam implementadas entre os anos de 2011 e 2014, com ações que visavam à elevação da mão de obra qualificada; investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte das indústrias; produção com menos poluentes; ampliação de investimentos; fortalecimento das pequenas e médias empresas; diversificação das exportações; promoção da internacionalização das empresas brasileiras e estímulo da participação nacional nos mercados de tecnologia, bens e serviços para energia, inovando e investindo para ampliação da competitividade.

Diante do exposto, com o objetivo de fomentar a produção nacional, uma das estratégias definidas pelo Governo foi a necessidade de majorar a alíquota da COFINS-Importação, por meio da aplicação de um acréscimo, que foi instituído a partir de 1º/12/2011, com a publicação da MP 540/2011, que veio a ser convertida na Lei 12.546/2011.

Vale lembrar que, na época, a referida Lei incluiu o § 21 ao artigo 8º da Lei 10.865/2004, na qual constava disposição acerca de acréscimo de 1,5% sobre a alíquota da COFINS-Importação apenas para os produtos ali listados, que foi posteriormente modificado com a publicação da MP 563/2012, convertida na Lei 12.715/2012. Com a edição dessa MP,  o adicional da COFINS-Importação  passou a ser de 1% a partir de 1º/8/2012 e sua cobertura se estendeu à todos os bens relacionados no Anexo da Lei 12.546/2011.

Neste momento passamos a nos deparar com as inconveniências criadas pelo legislador, uma vez que houve uma “confusão” na interpretação por parte dos importadores, quanto à aplicabilidade do adicional de 1%. A dúvida pairava sobre a extensão do adicional, ou seja, se era pertinente somente à alíquota padrão constante no inciso II do artigo 8º da Lei 10.865/2004, na época 7,6%, ou se deveria ser estendida aos parágrafos do artigo 8º que definem as alíquotas diferenciadas da COFINS-Importação.

Contudo, essa “confusão” foi sanada, e o entendimento quanto à interpretação do texto do §21 seguiu conforme a redação da Lei que indicava a aplicação do adicional sobre “alíquota de que trata o inciso II do caput. Sendo assim, ficou devidamente esclarecido que o acréscimo era pertinente somente sobre a alíquota padrão, não devendo, portanto, ser aplicado aos parágrafos do citado artigo 8º.

Acontece que tal aplicabilidade restrita somente à alíquota padrão durou até a publicação da Lei 12.844/2013, que alterou a redação do § 21, fazendo com que o acréscimo de 1% sobre as alíquotas da COFINS-Importação do artigo 8º, fosse estendido também às alíquotas diferenciadas constantes nos parágrafos do artigo 8º. Essa modificação passou a vigorar a partir de 1º/8/2013 e por meio do Parecer Normativo Cosit 10/2014, as formas e períodos da aplicação do adicional foram devidamente esclarecidos, de modo que possibilitou aos contribuintes que recolheram o adicional indevidamente, um meio para solicitar a sua restituição ou compensação dos valores.

Outra inconveniência que foi criada em torno desse tema, diz respeito à impossibilidade de o contribuinte se creditar do 1% referente ao acréscimo, visto que na visão do fisco o direito ao crédito é somente aplicado em relação à alíquota padrão. Tal interpretação é vista pelos contribuintes como indevida, que tem os levado às vias judiciais para questionar o direito ao crédito do valor efetivamente pago a título de COFINS-importação.

O histórico acima se completa com a questão que abriu essa discussão, ou seja, a publicação da MP 774/2017, que revogou o §21 do artigo 8º da Lei 10.865/2004 a partir de 1º/7/2017, extinguindo, portanto, a exigibilidade do adicional de 1% sobre a alíquota da COFINS-Importação, o que foi recebido como justo pelo mercado, ante o fato de que o Brasil possui uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo, ainda mais em se tratando de uma exigência tributária que vai de contra mão do estímulo ao comércio internacional. Acontece que a MP 774/2017, que precisaria ter sido convertida em Lei até 10/8/2017 para que então seus efeitos fossem introduzidos de forma permanente no ordenamento jurídico pátrio, foi, na verdade, revogada. Tal medida se deu quando todos foram surpreendidos com a publicação, por meio de uma edição extra do Diário Oficial da União no dia 9/8/2017, da MP 794, revogando de forma imediata as disposições da MP 774/2017, o que, consequentemente, trouxe de volta a exigibilidade do acréscimo de 1% da COFINS-Importação.

Cabe aqui a observação de que referida teratologia legislativa produzida pelo Poder Executivo não teve nenhum efeito de cunho prático, a não ser o de criar ainda mais inconvenientes ao contribuinte brasileiro que poderia usufruir um dia a mais do não recolhimento do adicional de 1% sobre a alíquota da COFINS-Importação, ou seja, bastava ao Executivo deixar correr o prazo natural de validade da MP 774/2017 de modo que ela perderia a sua vigência sem que todo esse exercício fosse necessário.

É importante inclusive ressaltar, que a MP 794/2017 passou a produzir os seus efeitos na data de sua publicação, ou seja, em se tratando da exigibilidade de uma Contribuição Social, tal fato fere frontalmente o princípio constitucional da anterioridade nonagesimal previsto no § 6º do art. 195, IV, da CF.

Destaca-se que a questão chegou ao TRF da 4ª região, cuja decisão[1] foi tomada no sentido de suspender a exigibilidade do crédito tributário correspondente ao adicional de 1% da COFINS-Importação sobre as importações realizadas por uma empresa no período de 90 dias posteriores à publicação da MP 794/17, para que fosse observada a anterioridade nonagesimal, com o seguinte argumento:

“Como se trata de contribuição de Seguridade Social, ancorada no art. 195, IV, da CF, a reinstituição do adicional de 1% da COFINS-Importação deve respeitar a anterioridade nonagesimal prevista no § 6º do mesmo preceito. Defiro, portanto, a antecipação da tutela recursal, a fim de suspender a exigibilidade do crédito tributário correspondente ao adicional de 1% da COFINS-Importação, prevista no §21 do art. 8º da Lei 10.865/04, até 06 de novembro de 2017, quando observada anterioridade nonagesimal.”

Como a opção do Poder Executivo foi a de editar uma MP para revogar outra, ressalta-se que essa foi uma estratégia arriscada, afinal de contas, uma MP, como o próprio nome diz, adentra ao ordenamento jurídico em caráter temporário, ou seja, uma vez que cumpra com seu prazo de vigência, perde a sua eficácia e o que foi introduzido por ela no sistema, deixa de existir.

Assim sendo, sigamos o seguinte raciocínio: A MP 794/2017 (que reinseriu a exigibilidade do 1% no sistema) teve sua vigência encerrada em 06/12/2017, pelo Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 67/2017.  Na data de 08/12/2017 a MP 774/2017 (que revogou a exigibilidade do 1%) teve seu prazo de vigência encerrado por meio do Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 70/2017.

Diante do contexto exposto, no que tange ao adicional de 1% na alíquota da COFINS-Importação, o tema pode gerar debates acerca da possibilidade da não aplicação do referido adicional nas importações realizadas nos dias 7 e 8 de dezembro de 2017. Isso porque nos referidos dias, a Medida Provisória nº 774/2017 "voltou" à vigência.

Inclusive, no site do Congresso Nacional, no campo de "Informações Complementares" da Medida Provisória 774/2017, há disposição expressa no que tange à prorrogação do prazo da sua vigência:

Senador Airton Sandoval 

Prazos:

30/03/2017 - 28/05/2017: Prazo de vigência a prorrogar por mais 60 dias (Art. 62 da CF/88 e art. 9º da Res. 1/2002-CN)

30/03/2017 - 05/04/2017: Recebimento de emendas perante a Comissão Mista (Art. 4º da Res. n° 1/2002-CN)

14/05/2017 - 07/12/2017: Tramitação em regime de urgência (Art. 62 da CF/88 e art. 9º da Res. 1/2002-CN)

29/05/2017 - 08/08/2017: Prazo de vigência prorrogado (Art. 62 da CF/88 e art. 9º da Res. 1/2002-CN)

Ato do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 28, de 2017 (DOU de 23.05.2017). Termo final do prazo alterado de 10/08/2017 para 08/08/2017, tendo em vista suspensão de eficácia pela MPV nº 794, de 9/8/2017 (DOU de 09.08.2017), que revogou a presente Medida Provisória.

07/12/2017 - 08/12/2017: Prazo de vigência prorrogado (Art. 62 da CF/88 e art. 9º da Res. 1/2002-CN)

Ato do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 70/2017 (DOU de 12/12/17), de comunicação de perda de eficácia por decurso de prazo. Prazo referente aos dois dias de vigência restantes, tendo em vista a perda de eficácia da MPV nº 794/2017, em 06/12/2017.

09/12/2017 - 02/02/2018: Prazo de 15 dias para apresentação do projeto de decreto legislativo pela Comissão Mista (Art. 11, § 1º da Resolução nº 1, de 2002-CN) - CN-CMMPV 774/2017 (Comissão Mista da Medida Provisória nº 774, de 2017)

Assim, podemos concluir que nos dias 7 e 8 de dezembro de 2017, as disposições constantes na MP nº 774/2017 estiveram vigentes em razão da sua prorrogação, logo, nas importações realizadas nos referidos dias, a exigibilidade do adicional de 1% na alíquota da COFINS-Importação não deveria ter sido aplicada.

Destaca-se que, pelas regras atuais, o adicional de 1% da alíquota da COFINS-Importação ainda é devido, havendo incertezas tão somente quanto sua não aplicação nos dias 7 e 8 de dezembro de 2017.

Por fim, para fins de esclarecimento quanto aos períodos de não incidência do adicional de 1% na alíquota da COFINS-Importação, o quadro de vigências abaixo tem o intuito de promover uma visualização mais clara acerca dessa questão:

De 1º/7/2017 até 8/8/2017 O adicional de 1% na alíquota da COFINS-Importação
foi revogado pela Medida Provisória nº 774/2017.
De 9/8/2017 até 6/12/2017 O adicional de 1% na alíquota da COFINS-Importação
volta a ser devido em razão da publicação da Medida Provisória nº 794/2017.
De 7/12/2017 até 8/12/2017
As disposições constantes na Medida Provisória nº 774/2017 voltam
à sua vigência em razão da perda da vigência da Medida Provisória nº 794/2017, logo, o adicional de 1% da alíquota da COFINS-Importação
volta à fase de “revogado”, não sendo devida sua incidência nas importações realizadas nos respectivos dias.

A partir de 9/12/2017
O adicional de 1% na alíquota da COFINS-Importação volta a ser devido e sua incidência permanece vigente até o presente momento, tendo em vista a perda davigência na Medida Provisória nº 774/2017.

[1] Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/10/art20171030-04.pdf>. Acesso em: 28 dez 2017.