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A discriminação e o preconceito do mercado de trabalho em função da orientação sexual e identidade de gênero por Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas *
No dia 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADO 26 e MI 4733, determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero fosse considerada crime no Brasil. Dez dos onze ministros reconheceram haver demora inconstitucional do Legislativo e, ante a tal morosidade, por oito votos a três, os ministros reconheceram que a conduta homofóbica passe a ser punida pela Lei de Racismo (Lei nº 7716/89), a qual dispõe sobre crimes de discriminação ou preconceito por "raça, cor, etnia, religião e procedência nacional".
Votaram a favor Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luís Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber, ao passo que Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio posicionaram-se no sentido contrário, argumentando que sobreviria um novo tipo de crime - homotransfobia, circunstância que restringiria a sua criação exclusivamente ao Congresso Nacional, por meio de edição de Lei.
Muito se fala em ativismo judicial, em usurpação de competência, no entanto, o que se verifica, na realidade, é a necessária atuação da Corte Suprema, no socorro de temas ignorados e alijados pelo Congresso Nacional, em razão dos preconceitos e dogmas religiosos arraigados nos representantes do povo ligados a algumas bancadas parlamentares.
Diante desse contexto, considerando que a homofobia se generalizou na sociedade brasileira e merece ser combatida, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o conceito de raça apresenta um sentido jurídico mais amplo e, portanto, pode ser aplicado ao preconceito contra os LGBTTIs, enquanto persistir a mora legislativa.
Pois bem.
O racismo é um crime inafiançável, imprescritível e pode ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa. A partir da criminalização da homofobia, espera-se a diminuição da doença social de intolerância a padrões de gênero e orientação sexual, situações, infelizmente, corriqueiras consubstanciadas em bullyings e outras violências que contaminam a convivência humana.
Há de se notar que o desprezo e o desrespeito às pessoas LGBTTIs- lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais - é notório e evidente, notadamente, no âmbito do trabalho, variando desde a total exclusão, à discriminação e perturbação diária, em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Vale lembrar que sexo não se confunde com identidade de gênero, a qual diverge da noção de orientação sexual. O sexo biológico de um ser humano é definido pela combinação dos seus cromossomos e sua genitália, verificando-se, no ato do nascimento, se a pessoa nasceu homem, mulher ou intersexual.
A identidade de gênero, por sua vez, traduz-se na convicção de ser masculino ou feminina, considerando os comportamentos e atributos convencionalmente reconhecidos para machos e fêmeas. Gênero, nessa perspectiva, envolveria aspectos sócio-culturais e históricos, que afetariam diretamente o indivíduo, não sendo decorrência natural de suas características corporais. Segundo Beauvoir, gênero compreenderia os comportamentos, as preferências, os interesses, a formas de se vestir, andar, falar e agir, relacionadas a "ser homem" e "ser mulher" (BEAUVOIR, 2009).
No âmbito constitucional brasileiro, o direito à identidade encontra-se consubstanciado pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (inciso III, art. 1°, CR/88), pelo qual o indivíduo tem o direito de possuir e expressar todos os atributos e características pessoais, singulares, intransmissíveis e irrenunciáveis, constituindo tais atos na promoção de sua identidade.
Já a orientação sexual se difere da identidade de gênero, sobretudo, por não se relacionar com o sentimento de pertencimento entre o binarismo masculino e feminino. A orientação sexual, e não opção sexual, diz respeito à escolha da pessoa no âmbito dos relacionamentos afetivos-sexuais, ou seja, há pessoas que sentem atração afetiva-sexual por pessoas do mesmo sexo - os homossexuais, entre sexos opostos - os heterossexuais, por ambos os sexos - os bissexuais, e, por fim, os assexuais, pessoas que não sentem atração por nenhum gênero.
Feitas tais considerações, certo é que a discriminação de gênero, raça e orientação sexual são fatores que influenciam as possibilidades de acesso e permanência nas relações de trabalho no Brasil, não sendo por acaso, que as mulheres, os/as negros/as e os LGBTTIs - lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais, detêm os piores indicadores do mercado de trabalho vivendo, muitas vezes, na economia informal ou em empregos precários.
Mesmo que as evidências apontem para uma maior participação da comunidade LGBTTI em diferentes tipos e ambientes de trabalho, na realidade, ainda há muito preconceito, que reafirmam velhos estereótipos relacionados às diferenças de atribuições das mulheres e dos homens no mundo do trabalho, divisão sexual desigual realizada em tempos patriarcais.
Segundo Jean Soldatelli, “muitas empresas temem ter sua imagem associada à do funcionário. E com isso perder clientes, ter a credibilidade abalada. As empresas refletem aquilo que está colocado na sociedade, e a homofobia está presente na população". Por outro lado, “Empresas com maior diversidade tendem a ser mais produtivas e melhorar seus ganhos, pois as pessoas acabam por se engajar mais em um ambiente onde não são discriminadas. E elas são também consumidoras” (GOMES, 2019).
As circunstâncias atuais demonstram que há muito a se evoluir, o trabalho, entendido como necessidade, sobrevivência, independência, realização individual, apresenta um papel central na estruturação da identidade do ser humano, e, nessa senda, ser rejeitado, criticado ou humilhado desperta um sentimento de insegurança e rejeição, que fere de morte a dignidade do indivíduo.
Nessa perspectiva, violações à liberdade de gênero e de orientação sexual dos trabalhadores, em especial aos homossexuais, transexuais e travestis, têm chegado aos tribunais, exemplo concreto, é o caso, analisado pela magistrada Aline Paula Bonna, em sua atuação na 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que as empregadas foram flagrantemente discriminadas, por manterem relacionamento homossexual em suas vidas pessoais.
As provas testemunhais colhidas nos autos evidenciaram a fala do gerente, no sentido que teria que dispensar uma ou ambas as empregadas, por formarem um casal de lésbicas, haja vista que a homossexualidade delas estava gerando muitos comentários no ambiente de trabalho. Ademais, um dos motoristas da empresa teria dito, de forma preconceituosa, a uma das empregadas que "alguns minutinhos com ele as faria deixar de gostar de mulher" (BRASIL, 2018).
Assim, considerando que a empregadora, sabedora dos preconceitos listados, não tomou nenhuma atitude para proteger as mulheres homossexuais ou para cessar tal situação, a juíza reconheceu o dano psicoemocional presumido e concluiu pela condenação arbitrada ao montante de R$7.000,00, argumentando:
A magistrada frisou que o dano está implícito no caráter depreciativo dos comentários feitos pelos empregados da reclamada. A empresa recorreu, mas diante da constatação da prática discriminatória o TRT da 3ª Região decidiu manter a sentença.
Como se observa, essa é a triste realidade da nossa sociedade, que necessita de criminalizar condutas que violam o respeito à dignidade da pessoa humana - hetero, homo ou transexuais. O caso mencionado, infelizmente, não é isolado, bastando fazer uma breve pesquisa jurisprudencial para se ter noção das mais diversas discriminações sofridas em razão da identidade de gênero e orientação sexual, no âmbito laboral.
Apesar da legislação trabalhista em vigor proteger o trabalhador, muitas mulheres, homossexuais e transgêneros continuam sofrendo discriminação no mercado de trabalho brasileiro, uma vez que algumas ocupações ainda são vistas como tipicamente masculinas ou femininas, em razão da prevalência de uma cultura machista, herança de uma sociedade marcadamente patriarcal.
Nessa senda, andou bem a Suprema Corte, pois não se pode conceber que a identidade de uma pessoa seja utilizada como "pretexto para desigualdade de direitos", ou desrespeito ao próximo como forma de garantir a efetividade da igualdade de gênero dentro do mercado de trabalho, que talvez aconteça pela falta de conscientização dessas empresas, ou pela falta de punição para aqueles que agem com discriminação.
* Sobre a Autora
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Coordenadora do Curso de Direito da Universidade Brasil - Faculdade de Belo Horizonte. Professora de Direito da PUC Minas, Faculdade de Belo Horizonte, Conselho Nacional de Justiça e Polícia Militar. Pós-doutoranda pela Universidade Federal da Bahia. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.
Site: www.claudiamara.com.br
E-mail: claudiamaraviegas@yahoo.com.br
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