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O Programa Mobilidade Verde e Inovação agora é lei

Angela Maria dos Santos
Especialista de Conteúdo Editorial | Thomson Reuters

Governo sanciona o Programa Mobilidade Verde e Inovação

Recentemente falamos aqui no blog sobre a Medida Provisória nº 1.205/2023 que instituiu o Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER) e, hoje, voltamos aqui para atualizar que o texto foi sancionado e convertido na Lei nº 14.902/2024.

O MOVER substitui o Rota 2030 como política de incentivo à indústria automotiva brasileira e prevê incentivos de até R$ 19 bilhões até 2027, com um teto de R$ 4,1 bilhões para incentivos globais anuais.

Características do Programa Mobilidade Verde e Inovação - MOVER

  • Foco em descarbonização e economia de baixo carbono, com requisitos para eficiência energética, emissões de CO2, reciclabilidade, rotulagem e tecnologias assistivas à direção.
  • Incentivo à produção nacional, com benefícios fiscais para empresas que atendam aos requisitos, como abatimento do IPI e investimento em P&D (O BNDES será responsável pela gestão dos recursos provenientes do programa, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico - FNDIT).
  • Priorização do desenvolvimento de motores híbridos flex e propulsores híbridos a etanol, com incentivos fiscais específicos (A reciclabilidade também é um foco importante, com o objetivo de aumentar a sustentabilidade da indústria e reduzir o impacto ambiental).

O que muda com sanção: um detalhamento da Lei nº 14.902/2024e do Programa Mover

Com a sanção do programa, era esperado que alguns pontos trazidos na Medida Provisória fossem esclarecidos.

A Lei realmente detalha a aplicabilidade do Programa, porém alguns pontos foram postergados, como a definição dos requisitos obrigatórios para a comercialização de veículos novos e a tributação destinada à sustentabilidade da mobilidade e logística do País, por meio de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Saiba mais detalhes sobre o texto sancionado a seguir:

Novas regras para veículos

Com a sanção, o governo definirá os requisitos obrigatórios para a venda de veículos novos fabricados no Brasil e para a importação de veículos novos enquadrados nos códigos 87.01 a 87.05 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi).

Esses requisitos se aplicam a:

I - Eficiência energética veicular no ciclo do tanque à roda e emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental) no ciclo do poço à roda; 

II - Reciclabilidade veicular; 

III - Rotulagem veicular integrada; e 

IV - Desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção. 

Além disso, independente dos requisitos citados, os veículos precisarão obter o Certificado de Adequação à Legislação de Trânsito (CAT) e a Licença para Uso da Configuração de Veículo ou Motor (LCVM). 

Metas de emissão de CO2

A lei também estabelece os valores de Índice de Carbono (ICE) e a participação dos combustíveis líquidos ou gasosos e da energia elétrica para fins de apuração do atendimento ao requisito de emissão de dióxido de carbono.

Neste contexto, vale destacar que, em caso de divergências entre os valores de emissão de dióxido de carbono (CO2) calculados e os valores efetivamente observados no período de metas, nenhum fabricante ou importador de veículos será penalizado.

Isso se aplica a discrepâncias entre o Índice de CO2 (ICE) médio, a participação de combustíveis líquidos ou gasosos e a energia elétrica, comparados aos dados reais.

Outro ponto que já tinha sido citado na Medida Provisória é que, a partir de 2027, requisitos obrigatórios relacionados à pegada de carbono do produto, abrangendo todo o ciclo de vida (berço ao túmulo), serão estabelecidos.

A implementação dessas exigências se dará de forma gradual, com metas específicas por escopo a serem definidas a partir de 1º de janeiro de 2032.

Registro de compromisso junto ao MDIC

A Lei determina ainda que empresas interessadas em importar veículos obtenham o registro de seus compromissos.

Para isso, será necessário comprovar a autorização formal do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) para realizar atividades de assistência técnica, organização de rede de distribuição e utilização das marcas do fabricante no Brasil.

A empresa também deve apresentar ao MDIC, até 31 de dezembro de 2026, o registro do inventário de carbono das plantas de origem dos veículos comercializados no Brasil e o registro da pegada de carbono dos veículos comercializados no País, conforme regulamentação específica.

A Lei também contempla a possibilidade de empresas com ato de registro de compromissos solicitarem o registro de versões sustentáveis de suas marcas e modelos. Para tanto, é necessário que o veículo atenda a critérios específicos relacionados à sustentabilidade ambiental, social e econômica, como:

  • Eficiência energético-ambiental: considerando o ciclo de vida completo do veículo, desde a extração de matérias-primas até o descarte final (do poço à roda).
  • Reciclabilidade veicular: alta taxa de reciclagem dos componentes do veículo.
  • Fabricação no País: parte significativa da produção do veículo deve ser realizada no Brasil.
  • Categoria do veículo: classificação do veículo em categorias que atendam aos critérios de sustentabilidade.

Vale destacar que o registro dos compromissos é dispensado para importações de veículos realizadas por pessoas físicas ou jurídicas que não possuem vínculo direto com o fabricante.

Multas compensatórias

Em comparação com a Medida Provisória, a Lei traz um ponto crucial: a definição das multas compensatórias.

  • Fabricantes e importadores que comercializarem veículos sem o registro dos compromissos de eficiência energética e tecnologias assistivas à direção estarão sujeitos a uma multa de 20% sobre a receita da venda.
  • O não cumprimento das metas de eficiência energética e do desempenho estrutural também acarretará multas compensatórias.

E o valor das multas será multiplicado pelo número de veículos licenciados após a entrada em vigor do regulamento da Lei.

O pagamento será realizado por meio de investimentos em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil, direcionados ao setor automotivo e sua cadeia produtiva.

Tributação específica para fomentar a sustentabilidade

Também como visto na medida provisória, a lei determina a criação de uma tributação específica para fomentar a sustentabilidade da mobilidade e logística no país.

Para tanto, o governo utilizará alíquotas diferenciadas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos, baseadas em um sistema de bonus-malus, que considera as externalidades positivas e negativas dos veículos, impactando as alíquotas de acordo com seus atributos.

Quando os veículos atenderem aos requisitos específicos, as alíquotas terão as seguintes diferenciações:

I – 2 pontos percentuais em relação ao requisito de eficiência energética, considerado como parâmetro o ciclo do tanque à roda;

II – 1 ponto percentual em relação ao requisito de desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção; e

III – 2 pontos percentuais em relação ao requisito de reciclabilidade, a partir de 1º de janeiro de 2025.

A lei também estabelece que, até 31 de dezembro de 2026, automóveis e veículos comerciais leves híbridos com motor flex ou exclusivamente a etanol terão alíquotas diferenciadas, com redução de até 3 pontos percentuais em relação aos veículos convencionais de mesma categoria e classe.

E, a partir de 1º de janeiro de 2027, o sistema bônus-malus será aprimorado para quantificar as externalidades negativas e positivas dos veículos. Em caso de resultado negativo, a compensação poderá ser feita por meio de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, além de programas de apoio ao desenvolvimento industrial e tecnológico para o setor automotivo e sua cadeia.

Incentivos

A lei cria um regime de incentivos para impulsionar a pesquisa, desenvolvimento e produção tecnológica nas indústrias de mobilidade e logística.

As empresas beneficiadas por esse regime incluem:

  • Fabricantes de produtos: aquelas que produzem no Brasil produtos listados no Acordo de Complementação Econômica nº 14 (Brasil-Argentina) e seus protocolos adicionais, incluindo sistemas e soluções estratégicas para mobilidade e logística, além de seus insumos, matérias-primas e componentes.
  • Desenvolvedoras de tecnologias: empresas com projetos de desenvolvimento e produção tecnológica aprovados para a produção de novos produtos ou de novos modelos de produtos existentes no país.
  • Empresas de serviços: que desenvolvem, no Brasil, serviços de pesquisa, desenvolvimento, inovação ou engenharia para a cadeia automotiva, com integração às cadeias globais de valor.

Requisitos:

Para se habilitar ao regime, as empresas devem atender a requisitos específicos relacionados a dispêndios mínimos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico no país, que podem ser realizados na forma de aportes ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Indústria (FNDIT).

As empresas habilitadas podem usufruir de créditos financeiros em relação aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e produção tecnológica realizados no Brasil. Essa medida visa incentivar a criação de novas tecnologias e soluções que impulsionem a competitividade do setor no país.

O não cumprimento dos requisitos para a habilitação pode resultar na sua suspensão ou cancelamento. É importante ressaltar que, em caso de empresas com múltiplas habilitações, o cancelamento de uma delas não afetará as demais.

Além disso, os créditos financeiros serão limitados aos seguintes valores globais para cada ano-calendário:

I - 2024: R$ 3.500.000.000,00;

II - 2025: R$ 3.800.000.000,00;

III - 2026: R$ 3.900.000.000,00;

IV - 2027: R$ 4.000.000.000,00; E

V - 2028: R$ 4.100.000.000,00.

O crédito financeiro citado corresponde a 50% dos dispêndios realizados, limitado a 5% da receita bruta total de venda de bens e serviços do segundo mês-calendário anterior ao mês de apuração do crédito, excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda.

Caso o valor dos dispêndios exceda o limite estabelecido, o valor excedente poderá ser utilizado nos meses subsequentes, respeitando-se os limites mencionados.

Se os dispêndios não atingirem o mínimo em determinado ano-calendário, a empresa habilitada poderá utilizar o valor residual cumulativamente com o valor do dispêndio mínimo para o ano-calendário seguinte. Alternativamente, poderá utilizar eventual excesso de dispêndio realizado nos dois anos-calendário anteriores, a partir do início da vigência da habilitação.

Regime de autopeças não produzidas 

A lei mantém as diretrizes do regime de autopeças não produzidas, estabelecido no Acordo Automotivo entre Brasil e Argentina (ACE nº 14).

A principal mudança reside no prazo para que as empresas já habilitadas no regime solicitem nova habilitação: 120 dias a partir da data de entrada em vigor da Lei. O processo de requisição será definido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Vale lembrar que a adesão ao regime é facultativa. As empresas que optarem por não aderir ao regime devem recolher o Imposto de Importação normalmente. Por outro lado, aquelas que optarem pela adesão devem investir 2% do valor aduaneiro das autopeças em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação para o setor automotivo.

A lista de autopeças não produzidas no Mercosul, classificadas pela Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), ainda não foi aprovada pela Câmara de Comércio Exterior. A publicação dessa lista é crucial para que as empresas possam identificar quais autopeças se encaixam no regime.

Grupo de Acompanhamento

Para acompanhar os resultados do Programa Mover, foi instituído o Grupo de Acompanhamento do Programa Mover.

Composto por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, da Fazenda, de Minas e Energia e da Ciência, Tecnologia e Inovação, o grupo terá a responsabilidade de publicar um relatório anual com a análise dos impactos econômicos e técnicos do programa no ano anterior.

Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico

Como já prevista na Medida Provisória, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), recebeu autorização para criar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT). O objetivo do fundo é captar recursos provenientes de políticas industriais, destinados a financiar programas e projetos prioritários de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.

O FNDIT será composto por diversas fontes:

  • 2% do valor aduaneiro das empresas importadoras habilitadas ao Regime de Autopeças Não Produzidas no Mercosul.
  • Recursos provenientes de dispêndios em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
  • Valores provenientes de glosa ou de necessidade de complementação residual dos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
  • Rendimentos de aplicações do próprio fundo.
  • Remuneração e retorno de operações com recursos do fundo.
  • Outras fontes cuja destinação ao FNDIT seja permitida.

Regime de Tributação Simplificada

A Lei também trouxe alterações ao Decreto-Lei nº 1.804/1980, que trata do regime de tributação simplificada para o Imposto de Importação em remessas postais e encomendas áreas internacionais.

Com essas mudanças, a tributação de bens importados por pessoas físicas passou a seguir uma tabela progressiva, onde:

  • As importações de até US$ 50,00 terão Imposto de Importação de 20% e 60%, nas importações acima de US$ 50,00 limitada a US$ 3.000,00.

E, neste caso, com uma parcela a deduzir do Imposto de Importação de US$ 20,00.

Foi ainda publicada a Medida Provisória nº 1.236/2024 que confere ao Ministério da Fazenda a autonomia para ajustar as alíquotas de produtos acabados pertencentes a classes de medicamentos importados por pessoas físicas para uso próprio ou individual.

Essa medida permite flexibilizar a aplicação dos valores máximos e mínimos de alíquota, abrindo espaço para a diferenciação de alíquotas em função da forma de importação (via postal ou não) e da adesão ou não a programas de conformidade.

Por fim, a Portaria MF 156/1999, que regulamenta o Regime de Tributação Simplificada, passou por alterações com a publicação da Portaria MF nº 1.086/2024. Entre as mudanças, destaca-se a revogação da isenção do Imposto de Importação para valores de até US$ 50. A nova portaria introduz uma tabela progressiva com alíquotas e parcelas a deduzir, definindo a tributação de acordo com o valor da importação.

Tais alterações produziram efeitos a partir de 1º de agosto de 2024.

Conclusão

A Lei nº 14.902/2024, que sanciona o Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), representa um passo crucial para a modernização e o desenvolvimento sustentável da indústria automotiva brasileira.

A nova legislação define metas ambiciosas de eficiência energética, emissões de CO2 e segurança, além de incentivos para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras.

Embora alguns pontos ainda estejam em aberto, o texto cria uma estrutura sólida para a implementação de políticas públicas que promovam a produção de veículos mais eficientes, seguros e menos poluentes.

O MOVER coloca o Brasil em uma posição de destaque na busca por uma indústria automotiva mais sustentável e competitiva, contribuindo para a descarbonização da economia e o desenvolvimento de tecnologias que impulsionarão a mobilidade do futuro.

E esperamos que esse conteúdo tenha ajudado você a entender todos os pontos do texto secionado.