O Brasil está cada vez mais próximo da reforma em sua legislação tributária, no final de julho, após anos de discussões superficiais, o atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, enfim entregou ao Congresso a primeira parte da proposta de reforma tributária do governo, considerada o pontapé inicial para essa reestruturação economica do país.
Mas, o que realmente muda no cenário brasileiro?
Como todos sabem, o sistema tributário brasileiro é composto por um enorme conjunto de regras, que dificultam a atração de capital estrangeiro e o desenvolvimento econômico do país. Para as empresas em território nacional, além da pouca transparência em relação aos tributos, o atual sistema traz muita burocracia e insegurança jurídica.
De acordo com o último relatório “Doing Business”, feito pelo Banco Mundial, as empresas chegam a gastar cerca de 1.501 horas por ano para calcular e pagar todos os tributos no Brasil, sendo que o ICMS é sozinho o tributo que responde por 59% desse tempo. Além disso, o nosso contencioso tributário federal ultrapassa 50% do PIB e nos coloca como país com mais litígios tributários.
Diante desse cenário, a reforma tributária enviada pelo governo será dividida em quatro etapas e terá como objetivo corrigir os problemas atuais e trazer maior racionalidade econômica, reduzindo as obrigações acessórias das empresas com custos de apuração e recolhimento de impostos.
Entre as principais vantagens apresentadas pela proposta, estão:
Simplificação do sistema tributário brasileiro
Segurança jurídica
Maior equidade e fim de privilégios
Transparência
Combate à sonegação e evasão fiscal
Mais investimento e geração de empregos
Em resumo, a proposta enviada pelo governo no final de julho está dividida em fases que englobam diferentes temas principais, como: a unificação de impostos, a modificação da estrutura do IPI, a reformulação do Imposto de Renda e a desoneração da folha de pagamentos.
Confira um pouco mais sobre cada fase da proposta:
1ª fase: IVA federal
A primeira fase da reforma tributária, apresentada pelo governo no dia 21/07/2020, prevê a unificação do PIS e da Cofins em um único imposto sobre valor agregado, com alíquota de 12%, chamado de CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Com ele, o governo conseguirá eliminar a cumulatividade, gerar compensação imediata do crédito ou recebimento em dinheiro, ampliar a concorrência entre as empresas e deixar de fora da tributação as empresas com receitas não operacionais, como dividendos e juros de aplicações financeiras.
Além disso, a proposta da primeira fase também sinaliza que plataformas digitais devem recolher a CBS, quando intermediarem operações em que o vendedor não emita nota fiscal eletrônica. É o caso de plataformas de vendas para pessoas físicas, tais como marketplaces, plataformas de streaming, e de delivery.
Por questões técnicas, os regimes especiais serão mantidos, porém com regras e processos mais simples. Na importação de bens e serviços, o importador será o responsável por recolher a CBS. No enatanto, em caso de importação feita por pessoa física, os fornecedores estrangeiros ou plataformas digitais serão os responsáveis e deverão realizar um cadastro simplificado na Receita Federal.
2ª fase: simplificação e taxamento seletivo do IPI
Embora os detalhes da 2ª, 3ª e 4ª fase ainda não sejam conhecidos, sabe-se a linha geral das propostas, que devem ser entregues ainda no mês de agosto ao Congresso.
Nessa segunda fase, o governo irá propor a reformulação do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI), também incidente nas compras de bens e serviços. Hoje, o arquivo da tabela de incidência de alíquotas desse imposto conta com mais de 400 páginas de complexas regras que causam bastante confusão na hora da tributação pelas empresas.
Além de buscar a revisão e simplificação das regras, o governo deverá propor a transformação do IPI em um imposto seletivo, que só atingirá alguns setores da economia.
3ª fase: reforma do IRPF e IRPJ
Na terceira fase da reforma tributária, proposta pelo governo, a mudança deverá ocorrer nas regras do Imposto de Renda.
Para pessoas físicas, a ideia é aumentar a faixa de isenção e diminuir as deduções. Enquanto para pessoas jurídicas, as alterações em estudo envolvem a redução de impostos sobre as empresas e a tributação dos lucros e dividendos, que hoje são isentos e acabam desestimulando o reinvestimento.
Para se ter uma ideia, na maioria dos países, o imposto de renda das empresas é de cerca de 20%. Já no Brasil, as empresas pagam cerca de 34% (29% de IRPJ e 5% de CSLL).
4ª fase: desoneração da folha de salários
A quarta fase da reforma tributária buscará a desoneração da folha de pagamentos para aliviar o peso dos tributos pagos por empresários e tentar estimular novamente a criação de empregos.
Em resumo, a estratégia consistirá em reduzir – ou zerar – os encargos da folha salarial, semelhante ao que já foi realizado anteriormente em outros governos, como por exemplo, o de Dilma Roussef (2011-2016).
No entanto, para compensar essa perda de arrecadação, o governo quer usar o crescimento do comércio eletrônico como oportunidade para obter uma base maior de arrecadação, ou seja, mais pessoas pagando menos. Para isso, estuda a criação de um imposto sobre transações eletrônicas, com alíquota de 0,2%.
Essa proposta é hoje um dos pontos mais polêmicos da discussão que gira em torno da reforma tributária, potencializado principalmente pela semelhança desse imposto com a extinta CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras.
“Se observarmos a alta complexidade do desafio e o tempo exíguo até dezembro próximo, inclusive com o processo das eleições municipais em novembro, que irá consumir parte da agenda dos agentes envolvidos, resta uma preocupação quanto ao resultado a ser alcançado entre o necessário e o possível neste tema delicado e relevante para o futuro do Pais.” Afirma Carlos Nascimento, Especialista em Conteúdo Tributário da Thomson Reuters.
A proposta de simplificação de impostos federais, apresentada pelo governo no final de julho, é consoante com o que propõem duas outras PECs (Propostas de Emenda à Constituição), que estão em fase de análise no Senado e na Câmara.
Entenda as principais diferenças entre as propostas:
Em comum, as três propostas propõem mudanças na base tributária de consumo no país, que corresponde à maior parte da arrecadação do governo. No entanto, a 1ª fase da reforma proposta pelo governo é focada apenas na união dos tributos federais, enquanto as da Câmara e Senado visam unir impostos federais, estaduais e municipais. Isso, inclusive, vem sendo ponto de discussão entre as autoridades, empresas e economistas, visto que a proposta enviada pelo governo aparenta ser muito mais enxuta e tímida do que o esperado.
Outro ponto a se considerar aqui é que a unificação de tributos federais, estaduais e municipais só pode ser feita com uma Proposta de Emenda à Constituição, como a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019. Sendo assim, como não esbarra em nenhum ponto da Constituição Federal, a CBS proposta pelo governo deve ter tramitação muito mais rápida e simples, já que não exige quórum elevado para aprovação no Congresso.
Após meses suspensa, em razão da pandemia do novo coronavírus, a discussão sobre a reforma tributária deve ser retomada no Congresso Nacional. Segundo as expectativas, em breve será reinstalada a comissão mista, criada em fevereiro, para discutir o sistema tributário brasileiro e as propostas criadas para a unificação de impostos.
Como vimos, hoje já tramitam no Congresso duas propostas de emenda à Constituição: uma na Câmara e outra no Senado. A intenção do governo é juntar essas duas propostas com a proposta enviada no final de julho e chegar ao IVA – Imposto de Valor Agregado.
Em resumo, se houver a posterior unificação com os impostos estaduais e municipais, o IVA poderá ser incorporado. Caso contrário, poderá seguir separado dos tributos estaduais, em um modelo chamado “IVA Dual”.
“Outro aspecto a ressaltar diz respeito as obrigações acessórias, decorrentes da proposta de reforma que venha a ser aprovada, a prometida simplificação precisa ser pensada para de fato tornar-se uma realidade, hoje ainda distante da mesa dos operadores das operações fiscais das empresas, apesar de todo o discurso e compromisso do Sistema Público de Escriturações Digitais – SPED, que apesar de passados treze longos anos de sua implementação, não produziu a tão desejada redução das mesmas.” Pondera Carlos Nascimento, Especialista em Conteúdo Tributário da Thomson Reuters.
Após a análise e discussão no Congresso, a expectativa é de que o texto unificado seja votado ainda neste ano na Comissão. Enquanto isso, o governo deve se encarregar da preparação das propostas para as seguintes fases da reforma tributária.